07 junho 2016

ME DÁ UM REAL ?




Você já teve ter ouvido esse pedido várias vezes, não é mesmo? Todos os dias nos semáforos e em vários pontos das Cidades, e por vezes às margens das Rodovias, meninos e meninas, menores e maiores abandonados estendem suas mãos pedindo ajuda. Nesse tempo aqui no Haiti também enfrentamos essa “rotina”. Ser estrangeiro é sinônimo de quem tem dinheiro!

Nosso coração, cheio do amor de Deus, é impulsionado a “fazer algo” para ajudar esses que sobrevivem à margem não apenas da sociedade, mas, principalmente, do Reino de Deus. Vem à nossa memória a parábola do Bom Samaritano, e dizemos a nós mesmos: “Jesus me ensinou a ser e agir como um bom samaritano”. Se esse é o seu caso, parabéns! Isso é compaixão!

Durante uma análise profunda do texto de Lucas 10:25-37, percebi que ele nos ensina que a Compaixão deve nos impulsionar a agir, mas, é a sabedoria quem deve coordenar nossas ações! Quase sempre confundimos ajuda com fazer o que o outro me pedi. Mas, ajudar, para Jesus, não é isso. Antes é fazer aquilo que o outro precisa para sair daquela situação. E às vezes, isso significa não fazer o que ele me pede.

“E quem é o meu próximo?” 
Lucas 10.29b  

Se não, faça uma conta comigo: se a cada hora debaixo do semáforo, aquele menino recebe R$1,00 de 10 cristãos compadecidos, e lá permanece das 8h da manhã até as 6h da tarde, quanto ele ganhará por dia? E se ele fizer isso durante os 30 dias do mês? Agora, se um bom samaritano vier àquele pequeno e lhe oferecer sair da rua, uma casa, estudos e até participar do programa “Jovem Aprendiz”... Qual resposta você acha que ele receberá daquele menor? Trocar os 3mil reais mensais recebidos na rua por horários, rotina, dever de casa, trabalho e uma bolsa de R$980,00 mensais?

Isso me fez refletir sobre: o que é ser, de fato, um bom samaritano? 

No Haiti, a própria população e lideranças afirmam precisarem de "bons samaritanos" para tirá-los "da beira do caminho" que se encontram há décadas (pra não dizer desde a Independência, em 1804).

Sabemos que as parábolas são um meio de ensinar uma verdade, e o contexto imediato dela faz toda a diferença. Há um Doutor da Lei querendo justificar sua religiosidade, instigando o Mestre a lhe dar uma receita pronta, pela qual ele (Dr) possa "ter a vida eterna". Foi a partir desse questionamento ("o que devo fazer para ter a vida eterna?") que o diálogo com Jesus começou. A parábola só vai entrar nesse diálogo após a segunda pergunta desse tal doutor: "e quem é o MEU próximo?" - note que ele, não satisfeito com a primeira e óbvia resposta de Jesus à sua tentativa de justificação própria, permanece na busca por justificar sua religiosidade e, assim, ter SEU ego massageado, com algo que ELE, fazendo, alcançaria a vida eterna. Jesus muda o ordem dos fatores, pois, ela altera o produto. Para o Mestre a questão é: "quem foi O PRÓXIMO do homem caído à beira do caminho" (v. 36). E complementa, após a constatação do doutor de que esse é o sentido da parábola: SER como o samaritano - bom, dizendo: "então [agora que você entendeu!] VÁ e FAÇA como ele". Rick Warren vai dizer que isso é trazer de volta o sentido para o que Deus nos criou: SERES humanos, e não FAZERES humanos!

Mas, o que fez do samaritano alguém, considerado por Jesus, BOM? Certamente não foi a síndrome do "bom samaritanismo" - algo propagado como se fosse bíblico, mas, na verdade, é o dogma religioso, de origem católico romano, da CARIDADE (e não me refiro ao sinônimo da palavra AMOR trazido em versões bíblicas mais antigas, mas, à prática de "boas ações" comumente chamada dessa forma) - que é uma versão abreviada das INDULGÊNCIAS. E, queridos, como nossa cultura é sincretista. Situações como essa, para a qual a maioria de nós nunca foi ensinado a questionar, analisar bíblica, histórica e teologicamente, e, não tenho dúvidas, missionária, são parte cotidiana da nossa experiência religiosa brasileira. Uma pergunta que tenho me feito (e falo enquanto apaixonado pela pesquisa, especialmente, bíblica): quantas vezes Jesus ensinou sobre FAZER CARIDADE?

O que fez do samaritano alguém, considerado pelo Mestre, bom, é diferente da visão sincretista inconsciente implícita na praxes religiosa: (v.33) aproximou-se, viu, encheu-se de compaixão; (v.34): chegou perto, enfaixou as feridas, aplicou azeite e vinho, o pôs na montaria, o levou à hospedaria, e, então, cuidou dele. Note que a tradição distorce os fatos para justificar a "síndrome do bom samaritanismo" impregnada pela doutrina da caridade, disfarçada de ajuda ao outro. É sutil, mas, faz toda a diferença! Sabemos que aquela rota era conhecida por sua periculosidade uma vez que passava por várias áreas desérticas e rochosas, que proporcionavam esconderijos naturais para os ladrões. O samaritano, através da sequência de suas ações, nos ensina uma verdade pela qual Jesus o considera bom:

A COMPAIXÃO NOS IMPULSIONA A AGIR,
MAS, É A SABEDORIA QUEM DEVE COORDENAR AS NOSSAS AÇÕES!

Note que ele (samaritano) antes de agir em favor do outro, se aproxima (análise do perímetro - poderia ser uma emboscada?), olha para o caído (análise e constatação do quadro real), para então, cheio de compaixão, descer da sua montaria. Em seguida, ele não se derrete, não chora aos prantos, não perde o foco da sua viagem e da necessidade REAL do homem caído, nem tão pouco do contexto onde está (uma rota famosa pelas emboscadas - ele poderia ser o próximo dos ladrões!): enfaixar e untar com vinho e óleo é ação emergencial, rápida, que estabiliza a situação, permitindo a remoção imediata, para, só então, em outro ambiente, seguro e estável, cuidar dele! Essas são ações cheias de compaixão e sabedoria. Não é caridade!

Não tenho dúvidas que essa parábola é uma metáfora para nos ensinar que SER vem antes de fazer, e isso implica em ser mais parecido com Jesus, vendo, sentindo e agindo em favor do outro como Ele fez e ensinou. Ela nos ensina, sim, a ajudar, mas, da maneira de Jesus, e não segunda a tradição religiosa (pelo contrário, não é verdade? Ele (Jesus) está contrariando um Doutor da Lei!). 

Ajudar não é fazer o que o outro me pede, mas, AQUILO QUE É NECESSÁRIO PARA QUE ELE EXPERIMENTE TRANSFORMAÇÃO EM SUA REALIDADE CAÍDA. 

E isso o Samaritano nos ensina! Ele fez tudo que dependia dele para que essa transformação acontece, mas, não fez um milímetro do que dependia do homem e nem da hospedaria. Isso é significativo! Não há "bom mocismo" aqui. Há envolvimento real, profundo, objetivo, compassivo, amoroso, disciplinado, sábio com o OUTRO. E isso a parábola nos ensina!

A pergunta chave, logo, não é "quem é o MEU próximo?" essa é uma pergunta religiosa que expressa a busca pela justificação diante de Deus: "mas, Senhor, eu preguei em teu nome, até expulsei demônios em teu nome! Como não me conheces?" - já leu algo assim na Bíblia? Pois é! 

A pergunta para Jesus é outra: "quem foi o PRÓXIMO do que estava caído?" - Nós somos o Próximo, não quem precisa de ajuda. Nós! Concordo com quem diz: "os bons samaritanos são aqueles que se envolvem, se aproximam e se tornam responsáveis de forma prática, objetiva, generosa e sacrificial em ajuda ao outro".

Verdade! Mas, note, também que, na prática, se sugere fazer outras coisas que aparentemente não são boas (ou seja, que promovem a transformação do caído), mas, que dão sobrevida ao caído, mantendo-o como tal, e dá, ao que “ajuda” o status de "bom". O sincretismo cultural-religioso , por vezes, nos leva a confundir ajuda ao próximo com ajuda que não ajuda ao outro, mas, me faz um bem danado, e serve como resposta à nossa busca por, diante do Mestre, justificar-nos e, no íntimo dizer à Ele: nós fomos bons!

Conclusões:

1. Viva com paixão! Seja o próximo de quem está à beira do Caminho.

2. Viva com sabedoria! Aja intencionalmente para a transformação: simples como pomba, prudente como serpente!

3. Viva com amor! Se envolva com quem está caindo à beira do Caminho.